segunda-feira, 20 de julho de 2020

Porque você jamais deve cortar as molas do seu carro?

Rebaixar o carro é muito atraente para algumas pessoas. Como tudo há o jeito certo e o jeito errado de fazer isso. Vou abordar aqui apenas o jeito errado e as péssimas consequências para a dinâmica do carro, pois não quero me responsabilizar de "receitar" qualquer coisa para as pessoas. Cada um que se responsabilize por suas aventuras.

Há pelo menos três jeitos errados de fazer esse tipo de modificação no carro:
1. esquentar a mola
2. grampear a mola
3. cortar a mola

O primeiro da lista é completamente errado, pois, ao aquecer a mola e torná-la mais "mole" você também faz o favor de destemperar o metal e acabar com o efeito mola. Alguns podem falar: "Ah, então é só jogar na água quando a mola ainda estiver quente para temperar ela de novo" e eu responderei: isso é só metade do processo. Depois de temperar o aço, é necessário mantê-lo por horas em um forno em temperatura elevada para o recozimento da têmpera e isso também afetaria a têmpera da porção da mola que não foi deformada pelo aquecimento na oficina. Sem esse recozimento, a mola apresentará grande fragilidade, não correspondendo a um ciclo de fadiga desejável para uma mola. Portanto, esqueça esse método.

O segundo método é grampear a mola colocando abraçadeiras, que também é uma prática abominável, do ponto de vista da segurança, pelo simples fato que o grampo pode quebrar no meio de uma curva, atravessar a lataria e invadir a cabine ou voar em algum infortunado pedestre, além disso, grampear a mola produz um efeito parecido com o terceiro erro que apresento a seguir, pois desativa alguns elos da mola.

O terceiro método é cortar a mola. Cortar a mola não altera a têmpera, não tem nada que pode escapar e te acertar como um projétil, então qual o risco? Para entender o risco de cortar a mola, precisamos voltar ao ensino médio, quando o professor de física tentava ensinar a Lei de Hooke. F = k.x (Força elástica = constante elástica da mola multiplicada pela deformação da mola).

Vamos supor agora um carro de 1500kg equipado com 4 molas de 10 elos cada uma com 30cm (0,3m) de comprimento. Vamos assumir que cada mola recebe 1/4 do peso do carro (375kg) e que esse peso produz uma compressão de 10 cm (0,1m) na mola e o carro fica a 20cm do chão. Pela Lei de Hooke, temos que a constante elástica da mola será de 3750kg/m (ou seja, uma força de 3750kg produziria uma deformação de 1m)

E o que aconteceria se cortássemos 5 elos da mola? Devido a constante elástica da mola, que permaneceu constante, a mola se deformará os mesmos 10cm. A mola, que agora tem apenas 15cm, ficará comprimida até atingir 5cm. O carro ficará a 5cm do chão. Legal? O problema é o que acontece depois disso. Vamos analisar:

A mola, que inicialmente possuía 10 elos, agora tem apenas 5. A força devido ao peso próprio do veículo continua sendo o mesmo, então, o esforço que antes de dividia pelos 10 elos da mola agora se divide em apenas 5. A mola deformou os mesmos 10 cm, mas para cada elo, a deformação foi o dobro. E qual o problema disso?

A mola original foi projetada com aquela constante elástica, para aquela quantidade de elos da mola, para aquele diâmetro externo da mola e para aquele diâmetro de aço mola. Quando você corta a mola, no nosso caso, pela metade, houve uma grande alteração na dinâmica da suspensão. Se o carro quando fazia uma curva abaixava 3cm de um lado, nessa mesma curva, com a mola cortada, o carro abaixaria 6cm. Claro que ele não vai abaixar tudo isso porque antes vai chegar no fim do curso do amortecedor e aí mora a segunda parte de todo o problema: o carro se tornará uma peça rígida e isso fatalmente vai tirar as rodas do lado oposto do chão, aumentando o risco de capotamento.

Um segundo problema é causado pelo aumento na tensão de cisalhamento da seção transversal da mola. Como a mola com menos elos passa a deformar o dobro por elo, a força elástica suportada por cada elo dobra. A tensão de cisalhamento é diretamente proporcional à força aplicada, logo, a tensão sobre a mola é dobrada. É como se você tivesse dobrado o peso do carro sobre as molas originais. Considerando que o peso de carga projetado para a suspensão de um carro é de aproximadamente 350kg, podemos ver que dobrar a carga sobre as molas nunca é uma boa ideia.